O diploma foi vetado por sua excelência o senhor Presidente da República, chegou ao parlamento e o parlamento já esclareceu à conferência de representantes que nós temos de voltar a apreciar o diploma. Estamos à espera do melhor momento, temos um prazo de 120 dias”, disse o presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correio, sem adiantar a motivação invocada pelo chefe de Estado.
Na origem deste caso está a quarta alteração ao Código Penal de Cabo Verde de 2003, com várias alterações aprovadas no parlamento, publicada em 11 de fevereiro de 2021 em Boletim Oficial. Contudo, segundo o Governo e a informação do parlamento, foi publicada com uma alegada gralha no artigo 108, sobre prescrições, diferente da versão aprovada naquele órgão, e que na prática — por não ter sido também detetado pelo então Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que o promulgou – reduziu o prazo de 15 anos para prescrição dos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e tráfico de influência.
Quando o alegado erro foi detetado já tinha passado o prazo permitido para corrigir eventuais lapsos ou gralhas nos documentos publicados oficialmente, o que levou o Governo a aprovar em abril, em Conselho de Ministros, uma alteração para emendar esse erro, que foi depois aprovado também pela Assembleia Nacional, em maio, seguindo para o Presidente da República, que não o promulgou.
“Verificámos que talvez houve alguma gralha qualquer, mas é no parlamento. E o parlamento tinha 90 dias para fazer a reclamação, por assim dizer, e corrigir. Passou, a gente não corrigiu. Quando foi detetado, então, o processo foi espoletado novamente e está em curso e, como disse, foi vetado e vamos avançar com o processo”, acrescentou Austelino Correia.
O caso tem motivado várias críticas no parlamento, incluindo com os deputados do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição) a lançar dúvidas sobre alegados interesses e beneficiados com este erro na alteração do texto aprovado face ao que foi publicado e está em vigor.
“Houve um problema aqui no parlamento, depois houve alteração. A parte preambular da lei correspondia totalmente com o conteúdo. O Presidente da República vetou e foi devolvido ao parlamento antes de voltar novamente à promulgação. Não tem nada a ver com a vontade do primeiro-ministro, por mim já estava resolvido há muito tempo”, justificou hoje à tarde o chefe do Governo, Ulisses Correia e Silva, durante o debate mensal no parlamento, sobre “A transparência como fator de desenvolvimento”, em que foi conhecida a decisão do Presidente da República.
Também nesta sessão parlamentar, o deputado e líder da bancada parlamentar do PAICV, João Baptista Pereira, admitiu que o veto do chefe de Estado está relacionado com a explicação dada pelo Governo no preâmbulo da quinta alteração ao Código Penal, alegando que não corresponde às alterações introduzidas para corrigir, alertando que a versão errada continua em vigor e que não foram ainda assumidas responsabilidades pelo sucedido.
“Ou seja, o que nós temos em Cabo Verde neste momento é que muito estranhamente, e aqui intransparentemente, o prazo de prescrição para crimes gravíssimos, como corrupção ativa, corrupção passiva, tráfico de influências, passou de 15 para 10 anos. E até este momento ainda não se provou o que efetivamente aconteceu”, afirmou o deputado.
José Maria Neves, antigo primeiro-ministro (2001 a 2016) pelo PAICV, que antecedeu o atual Governo do Movimento para a Democracia (MpD), foi eleito Presidente da República em outubro de 2021 e já em janeiro deste ano vetou e devolveu ao parlamento a alteração à lei proposta pelo executivo da supervisão do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado (FSGIP), de 100 milhões de euros, por não entender a motivação.
A maioria do MpD voltou a aprovar no parlamento a mesma proposta, inalterada, que voltou a seguir para o Presidente da República, para promulgação.
O artigo 137.º da Constituição da República de Cabo Verde prevê que o Presidente da República, quando exerça o direito de veto político, “deve devolver o diploma ao órgão que o aprovou, solicitando-lhe, em mensagem fundamentada, nova apreciação do mesmo”.
“Tratando-se de diploma da Assembleia Nacional, se esta, no prazo de 120 dias contados da data da receção da mensagem do Presidente da República, confirmar a deliberação que o aprovou por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, o Presidente da República é obrigado a promulgá-lo no prazo de oito dias”, refere o mesmo artigo.